António Lobo Antunes
Admiradora como sou do escritor António Lobo Antunes, não podia deixar de colocar um excerto de uma entrevista concedida ao Diário de Notícias, ontem.
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Antonio Lobo Antunes - Não só não é isso que eu tenho vontade como tão-pouco é uma ameaça. Está muito mais relacionado com o medo de não ser mais capaz de escrever. Aparece a cada livro que acabo e pergunto-me se serei capaz de fazer um próximo. Ninguém que escreva a sério vai poder dizer isso. Também é uma espécie de negociação com a morte, deixa-me escrever mais um, mais dois, mais três... Gostava de ter tempo para escrever outro e arredondar o trabalho, é um círculo que ainda não está completo.
Quantos livros faltam para fechar esse círculo. Só mais um?
Gostava que fossem mais porque o círculo vai aumentando sem nos darmos conta. Eu gostava de viver mais duzentos anos mas é improvável que os tenha.
Sofre muito ao escrever?
Há instantes de intensa felicidade - às vezes sinto as lágrimas a caírem-me pela cara - e momentos de grande irritação porque num dia consigo fazer meia página e no noutro só três linhas. O material resiste, as palavras não chegam, o livro não sai. Normalmente as primeiras duas, três horas são perdidas, os mecanismos sensórios ainda estão muito vivos. Então, quando começo a estar cansado, as coisas começam a articular-se com mais facilidade. É como quando estamos a dormir e de repente temos a sensação de termos descoberto os segredos da vida e do mundo, mas sabemos que estamos a dormir. Lutamos para acordar e quando chegamos à superfície não temos nada, diluiu-se enquanto fomos subindo. Quando consigo um estado próximo dos sonhos é muito mais fácil trabalhar e só o tenho estando fatigado.
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O cancro está controlado?
Está controlado, neste momento o que faço são revisões periódicas. Claro que pode haver uma surpresa - pode haver sempre! - mas até agora tem estado tudo bem. É óbvio que na véspera de uma revisão estou tenso e fico assim até saber o resultado mas também sei que se houver um problema o Henrique (o cirurgião) vai lá e resolve-o. Preciso de tempo, preciso desse tempo, preciso ainda de trabalhar.
Está a lutar contra a morte apesar dela estar sempre presente nos seus livros...
Espero que a vida também! É inútil lutar contra a morte tal como é inútil lutar contra a vida. É inútil porque a morte é uma puta - desculpem o palavrão mas é a única palavra que encontro. Quando o meu pai morreu, o padre que foi rezar a missa disse que detestava aquilo porque nós não fomos feitos para a morte. De facto não fomos... Há pessoas de quem gostávamos e que já não podemos tocar e ver e cuja morte foi tão injusta. Ainda no sábado fui a enterrar um camarada da guerra que morreu num acidente de automóvel. Foi muito comovente ver aqueles homens duros, que fizeram a guerra, a chorar como crianças. Eu chorei também, gostava muito dele e agora quando nos reunirmos ele não vai lá estar. E não faz sentido que o Zé não esteja. Eu tenho que viver pelo meu pai, pelo Cardoso Pires, pelo Melo Antunes, estão dentro de mim até eu acabar.
Como contrariar a morte?
Ela corre mais depressa do que qualquer um de nós e a única coisa que posso fazer para contrariar é escrever, a única duração que posso ter é a que os livros tiverem. E aborrece-me que seja assim, é injusto que seja assim, embora haja momentos em que todos nós desejamos morrer, de desânimo e solidão. Há momentos em que quase temos inveja dos mortos porque a vida nem sempre é agradável e fácil mas, agora depois de ver as pessoas lutarem no hospital, senti que muitos pensamentos que tinha eram indignos perante tanta grandeza.
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O título do seu último livro vem da Bíblia?
Estava a passear no Evangelho e apareceu-me. Foi a primeira vez que fui à Bíblia, não tinha título nenhum, não sabia como havia de o chamar e de repente tropeço naqueles versículos do Evangelho de São Lucas e pensei: é isto.
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Eu nunca deitei ninguém em nenhum divã e se o fiz ao longo da vida foi para me deitar lá também, não era para ficar a ouvi-la falar. A sensação que tenho é que estamos na idade da pedra do conhecimento, do entendimento humano e das emoções. Não sabemos nada, eu pelo menos sei muito pouco. Isto só tem a ver com a humildade, não sou vaidoso, apenas tenho orgulho. Sei mais ou menos qual é o meu lugar enquanto escritor e o resto da minha vida não é importante, falar da minha vida privada não tem importância nenhuma, os livros sim podem ser importantes mas eu até acho que todos deviam ser publicados anonimamente, sem nome de autor. Isso eliminaria imensos problemas.