'Nunca gostei de escrever'
Nicholas Sparks, escritor, in DN
Excerto da entrevista dada ao Diário de Notícias
Com mais de um milhão de livros vendidos em Portugal, o escritor norte-americano esteve esta semana em Lisboa para apresentar o seu novo romance e falar da adaptação de outro ao cinema. Ao DN revelou como consegue conjugar a escrita com a família, mas também que não votou nem no futuro Presidente dos EUA, Barack Obama, nem em John McCain
A maioria dos seus livros baseiam-se em pessoas ou factos reais. Isso também acontece em Um Homem com Sorte?
Não, ao contrário dos meus outros romances, este é acima de tudo ficção. Contudo, há elementos que, como é óbvio, tiro da minha vida pessoal. Se há algo que posso dizer que não é ficção é o cão, o pastor alemão. No livro chama-se Zeus; na realidade é o meu cão Rex. A mesma personalidade, a mesma maneira de treinar, igualzinho.
A história parte da superstição de que uma fotografia é o que mantém um homem vivo durante a guerra. É supersticioso?
Não, não sou, pelo menos não no mesmo sentido. Há dois tipos de sorte. Se olhar para a minha carreira posso dizer que fui muito sortudo, mas o meu primeiro livro era bom e eu trabalhei muito para o promover, por isso esforcei-me para ter essa sorte. Depois há claro a sorte ao acaso, como quando ganhamos a lotaria. No livro, se Logan acredita que aquele é o seu amuleto, talvez tome decisões diferentes do normal. E estas decisões acabaram por mantê-lo a salvo. Nem ele próprio acredita que é um amuleto. É do género: eu não acredito, mas...
E tem algum amuleto?
Sou católico e quando viajo ando sempre com uma medalha de São Cristóvão. É uma espécie de talismã, para me manter seguro. Todos os meus filhos também têm uma medalha igual.
Não é a primeira vez que a sua personagem principal é um soldado, que lutou no Iraque. Porquê? A guerra é algo que o preocupa?
A guerra é um excelente pano de fundo para qualquer romance. Basta olhar para E tudo o vento levou, Adeus às armas ou Casablanca... Além disso, eu vivo na Carolina do Norte, que é uma região onde há muitas bases militares. Quando escrevi Juntos ao Luar, em que o protagonista é um soldado, fui a uma sessão de autógrafos em Camp Lejeune, onde há 30 mil marines. E acho que a segunda pessoa na fila me disse: "E os marines?" Fiquei a pensar e acabei por escrever Um Homem com Sorte. Noutra sessão de autógrafos, outro militar disse-me: "Estou na marinha." Por isso acho que agora tenho que passar por todos os ramos do Exército...
O seu filho mais velho tem 17 anos. O que lhe diria se ele quisesse alistar-se?
Se fosse aquilo que ele queria fazer, então não havia problemas. Mas ele quer ir para a universidade, por isso, para ele não é uma opção. A verdade é que houve mais marines que morreram depois de regressar a casa, em acidentes de carro, do que os que morreram no Iraque. São três mil, o que é muito, mas estamos lá há seis anos. É menos do que pensamos, se considerarmos quantas pessoas lá estiveram. É perigoso, mas é mais perigoso para os civis iraquianos.
O que vem primeiro: personagens ou história?
A história. Depois encontramos as melhores personagens para contar a história.
Então não mantém personagens guardadas à espera da melhor história para elas...
Às vezes, mas as personagens começam por ser um processo de eliminação. Se temos um soldado que volta do Iraque ele não pode ter 60 anos, tem que estar na casa dos 20 ou 30. Depois, vemos se é uma personagem alegre ou calada. E assim sucessivamente. Temos que escolher qual é a melhor maneira de contar a história. E achei que o Logan era uma excelente personagem neste caso.
Os seus livros são sempre passados na Carolina do Norte. Isso atrai os turistas à região?
Sim! Eles fazem inquéritos sobre o que leva determinada pessoa a ir a certo local. Acho que estou em segundo lugar na lista... Em muitas das cidades os turistas têm que escolher entre "pesca", "locais históricos" ou "romances de Nicholas Sparks"...
Hoje basta pôr o seu nome na capa de um livro para saber que vai vender milhares de cópias. Isso torna a escrita mais fácil ou mais difícil?
Para mim torna-a mais desafiante. Porque tento sempre escrever um livro melhor do que o anterior. E é muito difícil ser original. Como é que posso continuar a pegar numa premissa muito simples e transformá-la em algo novo? A maioria dos autores não tenta ser original e isso irrita-me. Se há um escritor com muito sucesso é porque, normalmente, caiu numa de duas categorias: ou está a escrever o mesmo livro vezes sem conta ou escreve o que quer sem pensar se é uma boa história. Eu tento não cair em nenhuma das duas categorias.
Mas há coisas que não mudam nos seus livros...
Sim, sabemos que vai haver sempre algo familiar: vai ser uma história de amor, que se passa numa pequena cidade da Carolina do Norte e vamos gostar dos protagonistas. Mas os livros não são iguais. Eu tento ter um pouco do mesmo e mudar tudo o resto. E isso é difícil.
Tendo tudo isso em conta, ainda gosta de escrever ou é só um trabalho?
Eu nunca gostei de escrever! É difícil, é um grande desafio. Há dois tipos de escrita: escrever o que gostamos e escrever o que as pessoas querem ler. A primeira é muito fácil, porque fazemos o que queremos e não nos importamos com os leitores. Mas se estamos sempre conscientes do que as pessoas querem ler então é muito mais difícil. Porque não basta escrever, temos que pensar, ponderar, reflectir, mudar, avaliar... Eu sempre fiz a segunda coisa, sempre pensei no que as pessoas querem ler. Os leitores não querem uma história de amor entre duas pessoas horríveis, entre um alcoólico que bate na mulher e uma stripper que abandonou os filhos. As pessoas não querem ler isso...
Mas queria escrever isso?
Não, mas era fácil escrever. Porque quando temos personagens com grandes falhas é possível fazer muito mais coisas.
Como é que conjuga a escrita com a família?
Felizmente todos os meus filhos estão na escola, altura em que aproveito para escrever. Eu acordo antes deles e faço exercício. Antes de irem para a escola estou um pouco com eles. Depois faço mais exercício, ponho a minha correspondência em dia e finalmente escrevo até eles regressarem a casa. Por volta das 15.00, vou para a pista: sou treinador da equipa de atletismo. Depois regresso a casa e fico com a minha família até me deitar.
Tem tempo para ler?
Sim, leio entre cem a 150 livros por ano. Dois a três livros por semana, em média. Metade são romances, normalmente dos grandes autores americanos porque gosto de os ler e a maioria são bastante bons, mas também alguma ficção internacional ou clássicos. A outra metade cai em três categorias: história, economia e biografia. Gosto de biografias de qualquer pessoa menos de celebridades. Agora estou a ler a do antigo imperador do Japão, Hirohito.
Já escreveu 15 livros. Os fãs têm que se preocupar com uma reforma para breve?
Não, ainda não. Acho que os escritores conseguem escrever com qualidade até aos 55 anos e eu ainda tenho 42. Devo continuar a escrever depois disso, mas não prometo que os livros sejam bons.
O Sorriso das Estrelas é o quarto livro a chegar ao grande ecrã. O que é que sente quando vê uma personagem que criou ser interpretada por estrelas como Richard Gere?
Eu adoro ver os filmes e fico feliz porque têm tido sucesso. Tenho tido muita sorte, porque são muito parecidos com os livros. Não há grandes mudanças, só adaptações. E já há mais três filmes a caminho. Juntos ao Luar está em gravações, Um Homem com Sorte acaba de ser vendido à Warner Brothers e o meu próximo livro já foi comprado pela Disney. Em média, os filmes rendem 100 milhões de dólares e custam 20 milhões. É uma forma excelente de fazer dinheiro...
O que é que torna os livros de sucesso em filmes de sucesso?
Os livros são fáceis de adaptar porque são histórias simples, há só duas grandes personagens, os cenários não são caros, não há efeitos especiais. Depois, os actores gostam de interpretar personagens que passam por uma viagem espiritual e que têm uma história interessante.
Quando escreve, alguma vez pensa no actor que poderia desempenhar o papel?
Não, nunca o faço. A história é sempre o mais importante.
E envolve-se no casting?
Não, no casting não, mas leio os guiões antes de começarem a filmar embora não tenha palavra quanto a alterações. É só uma cordialidade.
Já tinha estado em Portugal em 2003. O que acha dos leitores portugueses?
Eu regressei porque me diverti muito da primeira vez que aqui estive. Eu não vou a todo o lado, mas pedi para vir a Portugal. E não peço para ir a muitos lados... Agradeço a todos os leitores o apoio que me deram ao longo dos anos.